Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/46

Wikisource, a biblioteca livre
-46-

--E não é preciso viver muito. Mais dia menos dia temos ahi os hespanhoes, ou então passamos a ser inglezes. Não ha que vêr; da maneira por que vão as coisas...

--Ai, pobre Portugal!--exclamou melancolicamente D. Luiz.

--Que vaes á vela--concluiu o padre.--Desde que puzeram a cabeça á roda a esta gente com liberalismos... ficou tudo transtornado. Agora todos mandam, todos fallam, e não ha quem governe. Isto de não haver um que governe... Estes patetas não se desenganam de que um paiz é como uma casa. Ora deixem á vontade os criados em uma cozinha, sem ninguem que os vigie, e verão o que vae! esperem por o jantar, que hão de achar-se servidos!

O simile fôra suggerido a frei Januario pela sua constante preoccupação.

--O que me custa é lembrar-me de que meus filhos teem de viver n'esta sociedade assim organisada. Quem sabe a sorte que lhes está reservada, aos pobres rapazes!--disse o fidalgo, suspirando com escuras apprehensões sobre a posição precaria da familia.

--Os filhos de v. exc.ª não devem transigir em caso algum com estes homens!--exclamou com vehemencia o padre--É não fazer como a sobrinha de v. exc.ª, a snr.ª D. Gabriella, que já é baroneza das feitas por elles. Quando se é fidalgo é preciso ser fidalgo.

--É bem negro o futuro que espera as casas como a nossa, e sabe Deus se em parte preparado por nós--insistia o fidalgo.--Tambem peccamos.

--Pois é uma triste verdade, mas isso não é razão para que os que nasceram n'essas casas se abaixem diante dos que nem sabem aonde nasceram. Deixe v. exc.ª medrar quanto quizer o Thomé da Herdade, que no fim de tudo sempre ha de mostrar que andou descalço em criança e que foi levar a beber o gado d'esta casa. Ha certas coisas que não dá o dinheiro.

--O Thomé da Herdade!--repetiu D. Luiz com amargura--Esse é que prospéra, os tempos estão para elle. Quem viu e quem vê aquillo!