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OS MAIAS

via tão de perto o marido de Hermengarda. Achou-o enxovalhado e macilento. Mas o pequerrucho era adoravel, muito gordo, parecendo mais roliço por aquelle dia de janeiro sob os agasalhos de lã azul, tremelicando nas pobres perninhas rôxas de frio, e rindo na clara luz — ­rindo todo elle, pelos olhos, pelas covinhas do queixo, pelas duas rosas das faces. O pae amparava-o; e o encanto, o cuidado com que o rapaz ia assim guiando os passos do seu filho, impressionou Carlos. Era no momento em que elle lia Michelet — ­e enchia-lhe a alma a veneração litteraria da santidade domestica. Sentiu-se canalha em andar alli de cima do seu dog-cart, a preparar friamente a vergonha, e as lagrimas d’aquelle pobre pae tão inoffensivo no seu paletot coçado! Nunca mais respondeu ás cartas em que Hermengarda lhe chamava seu ideal. Decerto a rapariga se vingou, intrigando-o; porque o empregado do governo civil, d’ahi por diante, dardejava sobre elle olhares sangrentos.

Mas a grande «topada sentimental de Carlos», como disse o Ega, foi quando elle, ao fim d’umas ferias, trouxe de Lisboa uma soberba rapariga hespanhola, e a installou n’uma casa ao pé de Cellas. Chamava-se Encarnacion. Carlos alugou-lhe ao mez uma vittoria com um cavallo branco e Encarnacion fanatisou Coimbra como a apparição d’uma Dama das Camelias, uma flôr de luxo das civilisações superiores. Pela Calçada, pela estrada da Beira, os rapazes paravam, pallidos de emoção, quando ella passava, reclinada na vittoria, mostrando