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OS MAIAS

Carlos trazia realmente resoluções sinceras de trabalho: a sciencia como mera ornamentação interior do espirito, mais inutil para os outros que as proprias tapessarias do seu quarto, parecia-lhe apenas um luxo de solitario: desejava ser util. Mas as suas ambições fluctuavam, intensas e vagas; ora pensava n’uma larga clinica; ora na composição macissa de um livro iniciador; algumas vezes em experiencias physiologicas, pacientes e reveladoras... Sentia em si, ou suppunha sentir, o tumulto de uma força, sem lhe discernir a linha d’applicação. «Alguma cousa de brilhante,» como elle dizia: e isto para elle, homem de luxo e homem d’estudo, significava um conjuncto de representação social e de actividade scientifica; o remecher profundo de idéas entre as influencias delicadas da riqueza; os elevados vagares da philosophia entremeados com requintes de sport e de gosto; um Claude Bernard que fosse tambem um Morny... No fundo era um dilletante.

Villaça fôra consultado sobre a localidade propria para o laboratorio; e o procurador, muito lisongeado, jurou uma diligencia incançavel. Primeira cousa a saber, o nosso doutor tencionava fazer clinica?...

Carlos não decidira fazer exclusivamente clinica: mas desejava de certo dar consultas, mesmo gratuitas, como caridade e como pratica. Então Villaça suggeriu que o consultorio estivesse separado do laboratorio.

— ­E a minha razão é esta: a vista de apparelhos, machinas, cousas, faz esmorecer os doentes...