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Página:Os Maias - Volume 1.djvu/160

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OS MAIAS

olhos avermelhados, compoz a rosa de musgo na botoeira da sobrecasaca, tomou um golo da sua agua chasada, e perguntou a Affonso, seu parceiro, n’uma voz rouca e surda:

— ­Paus, hein?

E de novo, sobre o panno verde, as cartas foram cahindo n’um d’aquelles silencios que se seguiam ás tosses de D. Diogo. Sentia-se só a respiração assobiada, quasi silvante, do general Sequeira, muito infeliz essa noite, desesperado com o Villaça seu parceiro, resingão, e com todo o sangue na face.

Um tom fino retiniu, o relogio Luiz XV foi ferindo alegremente, vivamente, a meia noite; — ­depois a toada argentina do seu minuete vibrou um momento e morreu. Houve de novo um silencio. Uma renda vermelha recobria os globos de dois grandes candieiros Carcel; e a luz assim coada, cahindo sobre os damascos vermelhos das paredes, dos assentos, fazia como uma doce refracção côr de rosa, um vaporoso de nuvem em que a sala se banhava e dormia: só, aqui e além, sobre os carvalhos sombrios das estantes, rebrilhava em silencio o ouro d’um Sèvres, uma pallidez de marfim, ou algum tom esmaltado de velha majolica.

— ­O que! ainda encarniçados! exclamou Carlos que abrira o reposteiro, entrava, e com elle o rumor distante de bolas de bilhar.

Affonso, que recolhia a sua vasa, voltou logo a cabeça, a perguntar com interesse:

— ­Como vae ella? Está socegada?