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OS MAIAS

do corredor — ­e ahi, sob um sombrio painel de Santa Magdalena no deserto penitenciando-se e mostrando nudezas ricas de nympha lubrica, interpellou-o quasi com aspereza:

— ­Vamos nós a saber. Então, decide-se ou não?

Era uma negociação que havia semanas se arrastava entre elles, a respeito d’uma parelha d’egoas. Silveirinha nutria o desejo de montar carruagem; e o marquez procurava vender-lhe umas egoas brancas, a que elle dizia «ter tomado enguiço, apesar de serem dois nobres animaes». Pedia por ellas um conto e quinhentos mil réis. Silveirinha fôra avisado pelo Sequeira, por Travassos, por outros entendedores, que era uma espiga: o marquez tinha a sua moral propria para negocios de gado, e exultaria em intrujar um pichote. Apesar de advertido, Eusebio cedendo á influencia da grossa voz do marquez, da robustez do seu phisico, da antiguidade do seu titulo, não ousava recusar. Mas hesitava; e n’essa noite deu a resposta usual de forreta, coçando o queixo, cosido ao muro:

— ­Eu verei, marquez... Um conto e quinhentos é dinheiro...

O marquez ergueu dois braços ameaçadores como duas trancas:

— ­Homem, sim ou não! Que diabo... Dois animaes que são duas estampas... Irra! Sim ou não!

Eusebio ageitou as lunetas, rosnou:

— ­Eu verei... Elle é dinheiro. Sempre é dinheiro...