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OS MAIAS

A casa, depois de arranjada, ficou vazia emquanto Carlos, já formado, fazia uma longa viagem pela Europa; — ­e foi só nas vesperas da sua chegada, n’esse lindo outono de 1875, que Affonso se resolveu emfim a deixar Santa Olavia e vir installar-se no Ramalhete. Havia vinte e cinco annos que elle não via Lisboa; e, ao fim de alguns curtos dias, confessou ao Villaça que estava suspirando outra vez pelas suas sombras de Santa Olavia. Mas, que remedio! Não queria viver muito separado do neto; e Carlos agora, com idéas sérias de carreira activa, devia necessariamente habitar Lisboa... De resto, não desgostava do Ramalhete, apezar de Carlos, com o seu fervor pelo luxo dos climas frios, ter prodigalisado de mais as tapeçarias, os pesados reposteiros, e os velludos. Agradava-lhe tambem muito a visinhança, aquella dôce quietação de suburbio adormecido ao sol. E gostava até do seu quintalejo. Não era de certo o jardim de Santa Olavia: mas tinha o ar sympathico, com os seus girasoes perfilados ao pé dos degraus do terraço, o cypreste e o cedro envelhecendo juntos como dois amigos tristes, e a Venus Cytherêa parecendo agora, no seu tom claro de estatua de parque, ter chegado de Versalhes, do fundo do grande seculo... E desde que a agoa abundava, a cascatasinha era deliciosa, dentro do nicho de conchas, com os seus tres pedregulhos arranjados em despenhadeiro bucolico, melancolisando aquelle fundo de quintal soalheiro com um pranto de nayade domestica, esfiado gota a gota na bacia de marmore.