achou-se quasi sem transição transportado dos rugidos do ventre do Viegas para um rumor de populaça, n’um bairro de judeus, na velha cidade de Heidelberg.
— Mas espera lá! exclamou elle. Deixa-me respirar. Isso não é o começo do livro! Isso não é o cahos...
Ega então recostou-se, desabotoou a sobrecasaca, respirou tambem.
— Não, não é o primeiro episodio... Não é o cahos. É já no seculo XV... Mas n’um livro d’estes póde-se começar pelo fim... Conveiu-me fazer este episodio: chama-se a Hebrea.
A Cohen! pensou Carlos.
Ega tornou a alargar o collarinho — e foi lendo, animando-se, ferindo as palavras para as fazer viver, soltando grandes cheios de voz nas sonoridades finaes dos periodos. Depois da sombria pintura d’um bairro medival de Heidelberg, o famoso Atomo, o Atomo do Ega, apparecia alojado no coração do esplendido principe Franck, poeta, cavalleiro, e bastardo do imperador Maximiliano. E todo esse coração de heroe palpitava pela judia Esther, perola maravilhosa do Oriente, filha do velho rabbino Salomão, um grande doutor da Lei, perseguido pelo odio theologico do Geral dos Dominicanos.
Isto contava-o o Atomo n’um monologo, tão recamado d’imagens como um manto da Virgem está recamado d’estrellas — e que era uma declaração d’elle, Ega, á mulher do Cohen. Depois abria-se um intermedio