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OS MAIAS
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assombrado descobriu, entre o bello papel de cartas do Ega, um Diccionario de Rimas...

E a visita á casa continuou.

Na sala de jantar, quasi nua, caiada de amarello, um armario de pinho envidraçado abrigava melancolicamente um serviço barato de louça nova; e do fecho da janella pendia um vestuario vermelho, que parecia roupão de mulher.

— ­É sobrio e simples — ­exclamou o Ega — ­como compete áquelle que se alimenta d’uma codea d’Ideal e duas garfadas de Philosophia. Agora, á cosinha!...

Abriu uma porta. Uma frescura de campos entrava pelas janellas abertas; e entreviam-se arvores de quintal, um verde de terrenos vagos, depois lá em baixo o branco de casarias rebrilhando ao sol; uma rapariga muito sardenta e muito forte sacudiu o gato do collo, ergueu-se, com o Jornal de Noticias na mão. Ega apresentou-a, n’um tom de farça:

— ­A sr.ª Josepha, solteira, de temperamento sanguineo, artista culinaria da «Villa Balzac», e como se póde observar pelo papel que lhe pende das garras, cultora das boas letras!

A moça sorria, sem embaraço, habituada de certo a estas familiaridades bohemias.

— ­Eu hoje não janto cá, senhora Josepha, continuava o Ega no mesmo tom. Este formoso mancebo que me acompanha, duque do Ramalhete, e principe de Santa Olavia, dá hoje de papar ao seu amigo e philosopho... E, como quando eu recolher, talvez a senhora Josepha esteja entregue ao somno