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OS MAIAS
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de gallegos... Caramba, rapazes, só a idéa d’essas cousas me põe o coração negro! E como vocés podem fallar n’isso, a rir, quando se trata do paiz, d’esta terra onde nascemos, que diabo! Talvez seja má, de accordo, mas, caramba! é a unica que temos, não temos outra! É aqui que vivemos, é aqui que rebentamos... Irra, fallemos d’outra cousa, fallemos de mulheres!

Dera um repellão ao prato, os olhos humedeciam-se-lhe de paixão patriotica...

E no silencio que se fez Damaso, que desde as informações sobre a rapariga do Ermidinha emmudecera, occupado a observar Carlos com religião, ergueu a voz pausadamente, disse, com um ar de bom senso e de finura:

— ­Se as cousas chegassem a esse ponto, se pozessem assim feias, eu cá, á cautela, ía-me raspando para Paris...

Ega triumphou, pulou de gosto na cadeira. Eis alli, no labio synthetico de Damaso, o grito espontaneo e genuino do brio portuguez! Raspar-se, pirar-se!... Era assim que d’alto a baixo pensava a sociedade de Lisboa, a malta constitucional, desde El-Rei nosso Senhor até aos cretinos de secretaria!...

— ­Meninos, ao primeiro soldado hespanhol que appareça á fronteira, o paiz em massa foge como uma lebre! Vae ser uma debandada unica na historia!

Houve uma indignação, Alencar gritou:

— ­Abaixo o traidor!