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OS MAIAS

a sua dôr com a fraqueza d’uma creança. — ­E o desfecho d’esse amor culpado, accrescentara o avô, fôra a morte da mãe em Vienna d’Austria, e a morte da pequenita, da neta que elle nunca vira, e que a Monforte levara... E eis ahi tudo. E assim, aquella vergonha domestica estava agora enterrada, alli, no jazigo de S.ta Olavia, e em duas sepulturas distantes, em paiz estrangeiro...

Carlos recordava-se bem que n’essa tarde, depois da melancolica conversa com o avô, devia elle experimentar uma egoa ingleza: e ao jantar não se fallou senão da egoa que se chamava Sultana. E a verdade era que d’ahi a dias tinha esquecido a mamã. Nem lhe era possivel sentir por esta tragedia senão um interesse vago e como litterario. Isso passara-se havia vinte e tantos annos, n’uma sociedade quasi desapparecida. Era como o episodio historico de uma velha chronica de familia, um antepassado morto em Alcacer-Kebir, ou uma das suas avós dormindo n’um leito real. Aquillo não lhe dera uma lagrima, não lhe pozera um rubor na face. De certo, prefiriria poder orgulhar-se de sua mãe, como d’uma rara e nobre flôr de honra: mas não podia ficar toda a vida a amargurar-se com os seus erros. E porque? A sua honra d’elle não dependia dos impulsos falsos ou torpes que tivera o coração d’ella. Peccara, morrera, acabou-se. Restava, sim, aquella idéa do pae, findando n’uma poça de sangue, no desespero d’essa traição. Mas não conhecera seu pae: tudo o que possuia d’elle e da sua memoria, para amar, era uma fria tela mal