Página:Os Maias - Volume 1.djvu/262

Wikisource, a biblioteca livre
252
OS MAIAS

Depois, um dia, Taveira appareceu no Ramalhete com uma extraordinaria historia. Na vespera, no Gremio (tinham-lhe contado, elle não presenceara) um sujeito, um Gomes, n’um grupo onde se commentavam os Maias, erguera a voz, exclamara que Carlos era um asno! Damaso, que estava ao lado mergulhado na Ilustração, levantou-se, muito pallido, declarou que, tendo a honra de ser amigo do sr. Carlos da Maia, quebrava a cara com a bengala ao sr. Gomes se elle ousasse babujar outra vez esse cavalheiro; e o sr. Gomes tragou, com os olhos no chão, a affronta, por ser rachitico de nascença — ­e porque era inquilino de Damaso e andava muito atrasado na renda. Affonso da Maia achou este feito brilhante: e foi por desejo seu que Carlos trouxe o sr. Salcede uma tarde a jantar ao Ramalhete.

Este dia pareceu bello a Damaso como se fosse feito de azul e oiro. Mas melhor ainda foi a manhã em que Carlos, um pouco incommodado e ainda deitado, o recebeu no quarto, como entre rapazes... D’ahi datava a sua intimidade: começou a tratar Carlos por você. Depois, n’essa semana, revelou aptidões uteis. Foi despachar á alfandega (Villaça achava-se no Alemtejo) um caixote de roupa para Carlos. Tendo apparecido n’um momento em que Carlos copiava um artigo para a Gazeta Medica offereceu a sua boa letra, letra prodigiosa, de uma belleza lithographica; e d’ahi por diante passava horas á banca de Carlos, applicado e vermelho, com a ponta da lingua de fóra, o olho redondo, copiando apontamentos, transcripções