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OS MAIAS

Á noite sentava-se ao fogão, suspirava e ficava calada...

Pobre senhora! a nostalgia do paiz, da parentella, das egrejas, ia-a minando. Verdadeira lisboeta, pequenina e trigueira, sem se queixar e sorrindo pallidamente, tinha vivido desde que chegara n’um odio surdo áquella terra d’herejes e ao seu idioma barbaro: sempre arripiada, abafada em pelles, olhando com pavor os ceus fuscos ou a neve nas arvores, o seu coração não estivera nunca alli, mas longe, em Lisboa, nos adros, nos bairros batidos do sol. A sua devoção (a devoção dos Runas!) sempre grande, exaltara-se, exacerbara-se áquella hostilidade ambiente que ella sentia em redor contra os «papistas». E só se satisfazia á noite, indo refugiar-se no sotão com as creadas portuguezas, para resar o terço agachada n’uma esteira — ­gosando ali, n’esse murmurio d’ave-marias em paiz protestante, o encanto de uma conjuração catholica!

Odiando tudo o que era inglez, não consentira que seu filho, o Pedrinho, fosse estudar ao collegio de Richmond. Debalde Affonso lhe provou que era um collegio catholico. Não queria: aquelle catholicismo sem romarias, sem fogueiras pelo S. João, sem imagens do Senhor dos Passos, sem frades nas ruas — ­não lhe parecia a religião. A alma do seu Pedrinho não abandonaria ella á heresia; — ­e para o educar mandou vir de Lisboa o padre Vasques, capellão do Conde de Runa.

O Vasques ensinava-lhe as declinações latinas, sobretudo