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OS MAIAS
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Levantou-se, passando a mão nervosa sobre os bigodes, já excitado pela lembrança d’aquella velha desordem, vergastando o Palma com nomes ferozes, todo n’uma d’essas fervuras de sangue que eram a sua desgraça.

Cruges, no entanto, encostado ao parapeito, olhava a grande planicie de lavoura que se estendia em baixo, rica e bem trabalhada, repartida em quadrados verde-claros e verde-escuros, que lhe faziam lembrar um panno feito de remendos assim que elle tinha na meza do seu quarto. Tiras brancas de estradas serpeavam pelo meio: aqui e além, n’uma massa de arvoredo, branquejava um casal: e a cada passo, n’aquelle solo onde as aguas abundam, uma fila de pequenos olmos revelava algum fresco ribeiro, correndo e reluzindo entre as hervas. O mar ficava ao fundo, n’uma linha unida, esbatida na tenuidade diffusa da bruma azulada: e por cima arredondava-se um grande azul lustroso como um bello esmalte, tendo apenas, lá no alto, um farraposinho de nevoa, que ficara alli esquecido, e que dormia enovellado e suspenso na luz...

— ­Tive nojo! exclamava o Alencar, rematando fogosamente a sua historia. Palavra que tive nojo! Atirei-lhe a bengala aos pés, crusei os braços e disse-lhe: ahi tem você a bengala, seu covarde, a mim bastam-me as mãos!

— ­Que diabo, não me hão de esquecer as queijadas! murmurou Cruges, para si mesmo, affastando-se do parapeito.

Carlos erguera-se tambem, olhava o relogio. Mas