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OS MAIAS
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a perceber o que manda o senso. Trahiste um amigo teu... Nada de equivocos! tu declaravas bem alto a tua amisade pelo Cohen. Trahistel-o, tens de acceitar a lei: se elle te quizer matar tens de morrer. Se elle não quizer fazer nada, tens de ficar de braços cruzados. Se elle te quizer chamar ahi por essas ruas um infame, tens de baixar a cabeça, e reconhecer-te infame...

— ­Então tenho de engolir a affronta?

Os dois amigos explicaram-lhe que aquelle fato de Satanaz lhe perturbava a lucidez do criterio mundano — ­e que chegava a ser torpe fallar elle, Ega, de affronta.

Ega, outra vez acabrunhado sobre o sophá, conservou um momento a cabeça enterrada nas mãos.

— ­Eu já nem sei, disse elle por fim. Vocês devem ter rasão... Eu estou-me a sentir idiota ... Então, vamos, que hei de eu fazer?

— ­Vocês teem a tipoia á espera? perguntou tranquillamente Craft.

Carlos mandara desapparelhar, recolher o gado esfalfado.

— ­Excellente! Então, meu caro Ega, tens outra cousa a fazer, antes de morrer ámanhã talvez, é cear esta noite. Eu ia ceiar, e por motivos longos d’explicar, ha n’esta casa um peru frio. E ha-de haver uma garrafa de Bourgonhe...

D’ahi a pouco estavam á mesa — ­n’aquella bella sala de jantar do Craft, que encantava sempre Carlos, com as suas tapeçarias ovaes representando bocados solitarios