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OS MAIAS

ía-se tornando absurda com aquella determinação anciosa e audaz de invadir toda a sua vida, tomar n’ella o logar mais largo e mais profundo — ­como se o primeiro beijo trocado tivesse unido não só os labios de ambos um momento, mas os seus destinos tambem e para sempre. N’essa tarde lá tinham voltado as palavras que ella balbuciava, cahida sobre o seu peito, com os olhos affogados n’uma ternura supplicante: Se tu quizesses! que felizes que seriamos! que vida adoravel! ambos sós!... E isto era claro — ­a condessa concebera a idéa extravagante de fugir com elle, ir viver n’um sonho eterno de amor lyrico, n’algum canto do mundo, o mais longe possivel da rua de S. Marçal! Se tu quizesses! Não, com mil demonios, não queria fugir com a sr.ª condessa de Gouvarinho!...

E não era só isto — ­mas ainda exigencias, egoismos, explosões tumultuosas d’um temperamento cioso: já mais de uma vez, n’essas duas curtas semanas, por pieguices, ella despropositára, fallara de morrer, debulhada em lagrimas... Ah! nas lagrimas havia ainda uma voluptuosidade, faziam parecer mais tenro o setim do seu collo! O que o inquietava eram certos clarões que lhe sulcavam o rosto, um dardejar nervoso dos olhos seccos, revelando a paixão que se accendera n’aquelles nervos de mulher de trinta e tres annos, e a queimava até ás profundidades do seu ser... Certamente este amor punha na sua vida um luxo mais, e um perfume. Mas o seu encanto estava em conservar-se facil, sereno, sem penetrar mais fundo