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OS MAIAS

vento que calmara, ressoavam por cima lentos e continuos os passos de Pedro.

A madrugada clareava, Affonso ia adormecendo — ­quando de repente um tiro atroou a casa. Precipitou-se do leito, despido e gritando: um creado acudia tambem com uma lanterna. Do quarto de Pedro ainda entreaberto vinha um cheiro de polvora; e aos pés da cama, caido de bruços, n’uma poça de sangue que se ensopava no tapete, Affonso encontrou seu filho morto, apertando uma pistola na mão.

Entre as duas vélas que se extinguiam, com fogachos lividos, deixára-lhe uma carta lacrada com estas palavras sobre o enveloppe, n’uma letra firme: Para o papá.

D’ahi a dias fechou-se a casa de Bemfica. Affonso da Maia partia com o neto e com todos os criados para a quinta de S.ta Olavia.

Quando Villaça, em fevereiro, foi lá acompanhar o corpo de Pedro, que ia ser depositado no jazigo de familia, não pôde conter as lagrimas ao avistar aquella vivenda onde passára tão alegres nataes. Um baetão preto recobria o brazão d’armas, e esse panno de esquife parecia ter distingido todo o seu negrume sobre a fachada muda, sobre os castanheiros que ornavam o pateo; dentro os criados abafavam a voz, carregados de luto; não havia uma flor nas jarras; o proprio encanto de S.ta Olavia, o fresco cantar das