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OS MAIAS
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— Extraordinario, Ega, extraordinario! A coisa mais abjecta, a coisa mais immunda!

— O homem pediu-te dinheiro?

— Peor!

E, passeando arrebatadamente, Carlos desabafou, contou tudo, sem reticencias, com as mesmas palavras cruas do outro, — que assim repetidas e avivadas pelos seus labios, lhe descobriam motivos novos de humilhação e de nojo.

— Já por acaso sucedeu a alguem coisa mais horrivel? exclamou por fim, cruzando violentamente os braços diante do Ega, que se abatera no sofá, assombrado. Pódes tu conceber um caso mais sordido? E tambem mais burlesco? É para estalar o coração. E é para rebentar a rir. Estupendo! Ahi, n’esse sofá, ahi onde tu estás, o homemzinho, muito amavel, de flôr ao peito, a dizer: «Olhe que aquella creatura não é minha mulher, é uma creatura que eu pago...» Comprehendes isto bem! Aquelle sujeito paga-a... Quanto é o beijo? Cem francos. Ahi estão cem francos... É de morrer!

E recomeçou no seu passeio, desvairado, desabafando mais, recontando tudo, sempre com as palavras do Castro Gomes, que elle deformava ainda n’uma brutalidade maior...

— Que te parece, Ega? Dize lá. Que fazias tu? É horrivel, heim?

Ega, que limpava pensativamente o vidro do monoculo, hesitou, terminou por dizer que, considerando