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OS MAIAS
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elle appareceu, já um pouco trôpego, mas com o olho a luzir, e aquella bondade, aquella magestade!... Eu ergui-me, como se entrasse um rei... Isto é, não! que se fosse um rei tinha-lhe dado com a bota no rabiosque. Levantei-me como se elle fosse um Deus! Qual Deus! não ha Deus que me fizesse levantar!... Emfim, acabou-se, levantei-me! Elle olhou para mim, fez assim um gesto com a mão, e disse, a sorrir, com aquelle ar de genio que tinha sempre: Bonsoir, mon ami!

E o snr. Guimarães deu alguns passos dignos, em silencio, como se aquelle bonsoir, aquelle mon ami, assim recordados, lhe fizessem mais vivamente sentir a sua importancia no mundo.

De repente Alencar, que bracejava n’um grupo, rompeu para elles, pallido, d’olhos chammejantes:

— Que me dizem vocês a esta pouca vergonha? Aquelle infame alli ha meia hora, com o in-folio, a rosnar, a rosnar... E toda a gente a sahir, não fica ninguem! Tenho de recitar aos bancos de palhinha!...

E abalou, rilhando os dentes, a exhalar mais longe o seu furor.

Mas algumas palmas cançadas, dentro, fizeram voltar o Ega. O estrado ficára novamente vazio, com as duas velas ardendo no candelabro. Um cartão em grossas letras, que um criado collocára no piano, annunciava um «intervallo de dez minutos» como n’um circo. E n’esse instante a snr.ª condessa de Gouvarinho sahira pelo braço do marido,