uma subscripção de caridade, que elles recolheram nos chapéos, rosnando bênçãos aos bemfeitores.
Na tipoia que os levava ao Ramalhete, Carlos e Ega permaneceram muito tempo em silencio, cada um enterrado ao seu canto, fumando. Foi já ao meio do Aterro que Ega pareceu despertar:
— E então por fim?... Sempre vaes para Santa Olavia, ou que fazes?
Carlos mexeu-se no escuro da tipoia. Depois, lentamente, como cheio de cansaço:
— Talvez vá ámanhã... Ainda não disse nada, ainda não fiz nada... Decidi dar-me quarenta e oito horas para acalmar, para reflectir... Não se póde agora fallar com este barulho das rodas.
De novo cada um recahiu na sua mudez, ao seu canto.
Em casa, subindo a escadinha forrada de velludo, Carlos declarou-se exhausto e com uma intoleravel dôr de cabeça:
— Ámanhã fallamos, Ega... Boa noite, sim?
— Até ámanhã.
Alta noite Ega acordou com uma grande sêde. Saltára da cama, esvaziára a garrafa no toucador, quando julgou sentir por baixo, no quarto de Carlos, uma porta bater. Escutou. Depois, arrepiado, remergulhou nos lençoes. Mas espertára inteiramente, com uma idéa estranha, insensata, que o assaltára sem motivo, o agitava, lhe fazia palpitar o coração no grande silencio da noite. Ouviu assim dar tres horas. A porta de novo batera, depois uma