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OS MAIAS
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a tranquillisasse, de joelhos sobre a pelle de tigre, jurando-lhe, por entre abraços, que ella nem era mau cão, nem feio cão; fôra só para contar como fazia a mamã...

— Vai-lhe dar agua, que ella deve estar com sêde, disse então Maria Eduarda, indo sentar-se na sua cadeira escarlate. E dize ao Domingos que nos traga o chá.

Rosa e Niniche partiram correndo. Carlos veio occupar, junto da janella, a costumada poltrona de reps. Mas pela primeira vez, desde a sua intimidade, houve entre elles um silencio difficil. Depois ella queixou-se de calor, desenrolando distrahidamente o bordado; e Carlos permanecia mudo, como se para elle, n’esse dia, apenas houvesse encanto, apenas houvesse significação n’uma certa palavra de que os seus labios estavam cheios e que não ousavam murmurar, que quasi receava que fosse adivinhada apesar d’ella suffocar o seu coração.

— Parece que nunca se acaba, esse bordado! disse elle por fim, impaciente de a vêr, tão serena, a occupar-se das suas lãs.

Com a talagarça desdobrada sobre os joelhos, ella respondeu, sem erguer os olhos:

— E para que se ha de acabar? O grande prazer é andal-o a fazer, pois não acha? Uma malha hoje, outra malha ámanhã, torna-se assim uma companhia... Para que se ha de querer chegar logo ao fim das coisas?