Página:Os trabalhadores do mar.djvu/336

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é relativamente inhabitada. Nos bancos teve de remar: mas Gilliatt manejava o remo segundo a lei hydraulica: tomar a agua sem choque e impeli-la devagar; desse modo pôde nadar, na obscuridade com a maior força e o menor rumor possiveis. Parecia que ia commetter uma acção feia.

A verdade é que, atirando-se de olhos fechados a um commettimento que parecia impossivel, e arriscando a vida com todas as probabilidades contra elle, receiava a concurrencia.

Como o dia começava a despontar, os olhos ignotos que estão talvez abertos no espaço, puderam ver no meio do mar, num ponto em que ha mais solidão e ameaça, duas cousas entre as quaes ia diminuindo o intervallo, sendo que uma approximava-se da outra. Uma, quasi imperceptivel no largo movimento das vagas, era um barco de vela; nessa barca havia um homem; era a pança levando Gilliatt. A outra immovel, collossal, negra, tinha, sobranceira ás vagas, uma sorprehendente figura. Dous altos pilares amparavam acima d’agua, no vacuo, uma especie de travessão horisontal que era como que uma ponte entre as duas cumiadas. O travessão, tão informe de longe que seria impossivel advinhar o que era, fazia corpo com os dous pilares. Parecia uma porta. Porque, haveria uma porta naquella abertura de todos os lados do mar? Dissera-se um dolmen titanico plantado alli, em pleno oceano, por uma phantasia magistral, e construido por mãos que leem o habito de apropriar ao abysmo as suas construcções. Aquella medonha forma levantava-se na claridade do céo.