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Página:Outras Reliquias (Machado de Assis, 1910).djvu/46

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lhe andavam no cérebro. A troca era fácil; os seus vinham mais vezes ao papel que os do documento original. E o pior é que ele não dava por isso, escrevia o leão em vez de transcrever a soma exata das toneladas de pólvora...

De repente, entra na sala um contínuo, chega-se-lhe ao ouvido, e diz que o leão dera. Camilo deixou cair a pena, e a tinta inutilizou a cópia quase acabada. Se a ocasião fosse outra, era caso de dar um murro no papel e quebrar a pena, mas a ocasião era esta, e o papel e a pena escaparam às violências mais justas deste mundo; o leão dera. Mas, como a dúvida não morre:

— Quem é que disse que o leão deu? perguntou Camilo baixinho.

— O moço que me vendeu na cobra.

— Então foi a cobra que deu.

— Não, senhor; ele é que se enganou e veio trazer a notícia pensando que eu tinha comprado no leão, mas foi na cobra.

— Você está certo?

— Certíssimo.

Camilo quis deitar a correr, mas o papel borrado de tinta acenou-lhe que não. Foi ao chefe, contou-lhe o desastre e pediu para fazer a cópia no dia seguinte; viria mais cedo, ou levaria o original para casa...

— Que está dizendo? A cópia há de ficar pronta hoje.