Página:Outras Reliquias (Machado de Assis, 1910).djvu/87

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uma consulta. Por que deixar para sempre? Loteria é mulher, pode acabar cedendo um dia.

— Já não estou em idade de esperar, retrucou o escrivão.

— Esperança não tem idade, sentenciou Amaral, recordando uns versos que fizera outrora, e concluiu com este velho adágio: Quem espera sempre alcança.

— Pois eu não esperarei e não alcançarei, teimou o escrivão; este bilhete é o último.

Tendo afirmado a mesma coisa tantas vezes, era provável que ainda agora desmentisse a afirmação, e, malogrado no dia de Natal, voltaria à sorte no dia de Reis. Foi o que Amaral pensou e não insistiu em convencê-lo de um vício que estava no sangue. A verdade, porém, é que Coimbra era sincero. Tinha aquela tentação por última. Não pensou no caso de ser favorecido, como de outras vezes, com alguns cinqüenta ou cem mil-réis, quantia mínima para os efeitos da ambição, mas bastante para convidá-lo a reincidir. Pôs a alma nos dois extremos: nada ou quinhentos contos. Se fosse nada, era o fim. Faria como fez com a irmandade e a religião; deitaria o hábito às urtigas, remia-se de freguês e iria ouvir a missa do Diabo.

Os dias começaram a passar, como eles costumam, com as suas vinte e quatro horas iguais umas às outras, na mesma ordem, com a mesma