Página:Outras Reliquias (Machado de Assis, 1910).djvu/95

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cumpriu a promessa. Reminiscências velhas e amigas que vinham temperar o árido preparo dos papéis. Ao mesmo S. Bernardo fizera mais de uma promessa, quando era irmão efetivo e mesário, e cumpriu-as todas. Onde iam tais tempos?

Enfim, surdiu a manhã de 24 de dezembro. A roda tinha de correr ao meio-dia. Coimbra acordou mais cedo que de costume, mal começava a clarear. Conquanto trouxesse de cor o número do bilhete, lembrou-se de o escrever na folha da carteira para havê-lo bem fixo, e no caso de tirar a sorte grande... Esta idéia fê-lo estremecer. Uma derradeira esperança (que o homem de fé nunca perde) lhe perguntou sem palavras: que é que lhe impedia tirar os quinhentos contos? Quinhentos contos! Tais coisas viu neste algarismo que fechou os olhos deslumbrados. O ar, como um eco, repetiu: Quinhentos contos! E as mãos apalparam a mesma quantia.

De caminho, foi à igreja, que achou aberta e deserta. Não, não estava deserta. Uma preta velha, ajoelhada diante do altar de S. Bernardo, com um rosário na mão, parecia pedir-lhe alguma causa, se não é que lhe pagava em orações o beneficio já recebido. Coimbra viu a postura e o gesto. Advertiu que ele era o autor daquela consolação da devota e olhou também para a imagem. Era a mesma do seu tempo. A preta acabou beijando