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velho lavrado; eram de nácar estas faces, os dentes de ouro, as orelhas de granada e safira. Desta boca saíam as mais sublimes promessas em estilo alevantado e nobre. Onde estão agora as belas palavras de outro tempo? Prosa eloqüente e fecunda, onde param os longos períodos, as frases galantes, a arte com que fazias ver a gente cavalos soberbos com ferraduras de prata e arreios de ouro? Onde os carros de cristal, as almofadas de cetim? Diz-me cá, Horácio.

- Meu senhor...

- Crês que uma letra de Sócrates esteja hoje no mesmo estado que este papel?

- Seguramente.

- Assim que, uma promessa de dívida do nobre Sócrates não será hoje mais que uma debênture escangalhada?

- A mesma coisa.

- Até onde podemos descer, Horácio! Uma letra de Sócrates pode vir a ter os mais tristes empregos deste mundo; limpar os sapatos, por exemplo. Talvez ainda valha menos que esta debênture.

- Saberá Vossa Senhoria que eu não dava nada por ela.

- Nada? Pobre Sócrates! Mas espera, calemo-nos, aí vem um enterro.

Era o enterro de Ofélia. Aqui o pesadelo foi-se tornando cada vez mais aflitivo. Vi os padres, o rei e a rainha, o séqüito, o caixão. Tudo se me fez