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Perigrinaçoẽs de

de Iudaa no anno de 1538. o Soleimão Baxà Viſorrey do Cayro lha mandara tomar, como fizera a mais outras ſete, para trazerem mantimẽtos & muniçoẽs para fornimento da armada das ſeſſenta galês em que vinha por mandado do Turco, para reſtituyr o Soltão Baudur no reyno de Cambaya, de que o Mogor naquelle tempo o tinha deſapoſſado, & lançar os Portugueſes fora da India, & que vindo elle na meſma nao para a beneficiar & arrecadar o ſeu frete que lhe tinhão prometido, os Turcos, alem de lhe mentirem em tudo como ſempre coſtumão, lhe tomarão ſua molher, & hũa filha pequena que trazia comfigo, & perante elle as deshonraraõ publicamente, & porq̃ hum filho ſeu, chorando ſe lhes queixou deſte grande mal, lho lançaraõ viuo ao mar, atado de pees & de mãos, & a elle meteraõ em ferros, & lhe dauão todos os dias muytos açoutes, & lhe tomarão ſua fazenda, que eraõ mais de ſeis mil cruzados, dizẽdo, que não era licito lograr beẽs de Deos, ſenão os Maſſoleymoẽs, juſtos & ſantos afsi como elles; & porq̃ neſte meyo tempo lhe faleceraõ a molher & a filha, elle como deſeſperado ſe lançara hũa noite ao mar na barra de Diu, com aquelle moço ſeu filho, donde por terra fora ter a Çurrate, & dahy ſe viera ter a Malaca em hũa nao de Garcia de Saa Capitão de Baçaim, donde por mandado de dõ Eſteuão da Gama fora à China com Chriſtouão Sardinha, que fora feitor de Maluco, o qual eſtando hũa noite ſurto cm Cincaapura, o Quiay Taijão ſenhor daquelle junco matara cõ mais vinte & ſeis Portugueſes, & que a elle por ſer bombardeyro dera a vida, & o trazia comfigo por ſeu Cõdeſtabre. A que Antonio de Faria, dando hum grande brado, & batẽdo com a mão na teſta, a modo de eſpãto, diſſe, ó valhame Deos, ó valhame Deos, parece que he ſonho iſto que ouço, & virandoſe para os ſoldados q̃ eſtauão à roda, lhes contou todo o diſcurſo da vida daquelle Quiay Taijão, & lhe affirmou que por algũas vezes tinha mortos em embarcaçoẽs deſencaminhadas que achara pelo mar, & com pouca força, mais de cẽ Portugueſes, & roubados paſſante de cem mil cruzados, & que ainda que o ſeu nome era o que aquelle Armenio dizia Quiay Taijão, deſpois que em Cineaapura matara Chriſtouão Sardinha, ſe nomeaua, por vamgloria do q̃ fizera, o Capitão Sardinha, & perguntando ao Armenio por elle, ou onde eſtaua, diſſe que eſtaua eſcondido na proa do junco no payol das amarras, muyto ferido, com mais outros ſeis ou ſete. Antonio de Faria ſe leuantou logo com muyta preſſa, & ſe foy ao lugar onde o perro eſtaua, & os mais dos ſoldados ſe foraõ tras elle, & abrindo o eſcotilhão do payol para ver ſe era verdade o que o Armenio diſſera, o perro com os ſeis que com elle eſtauão ſe ſayrão por outro eſcotilhão que eſtaua mais abaixo, & feitos a amoucos arremeteraõ aos noſſos, q̃ paſſauão de trinta, a fora outros quarenta moços, &

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