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PETER PAN
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luz muito fraca, apagou a luz eletrica e ia saindo na ponta dos pés, quando notou uma sombra esquisita na parede — uma sombra que vinha da rua. Voltou-se de repente e viu do lado de fóra da janela o vulto dum menino.

Assustou-se, está claro, porque as boas mães se assustam por qualquer coisinha, e correu a fechar a vidraça. Fez isso tão depressa que a sombra não teve tempo de retirar-se e foi guilhotinada. Por essa e outras é que as tais vidraças de subir e descer, como as nossas aqui do sitio, são chamadas "vidraças de guilhotina".

— E que é guilhotina? perguntou Emilia, que pela primeira vez ouvia essa palavra.

Dona Benta explicou que era uma certa maquina de cortar cabeça de gente, inventada por um medico francês de nome Guillotin. Isso durante o terrivel periodo da Revolução Francesa, um tempo em que cortar cabeça de gente se tornou a preocupação mais séria do governo. E Pedrinho, já lido na Historia do Mundo, lembrou que o proprio doutor Guillotin teve a sua cabeça cortada por essa maquina.

— Bem feito! disse Emilia. Quem manda...

— Bom, chega de guilhotina, gritou Narizinho. Continue, vóvó. A senhora Darling guilhotinou a cabeça da sombra e que fez depois?

— Ao ver cair no chão a cabeça da sombra, como se fosse um pedaço de gaze negra, ela murmurou: "Que fato estranho !" Depois abaixou-se, pegou a cabeça da sombra e examinou-a á luz da lamparina, com cara de quem diz : "Nunca ouvi contar dum fato semelhante ! E' dessas coisas que até parecem invenção." Em seguida dobrou a sombra, bem dobradinha, guardou-a na gaveta de Wendy e retirou-se do quarto, pensativa.

— E os meninos? indagou Narizinho. Nada viram ?

— Os meninos nada perceberam. Quando a senhora Darling deu com a sombra na parede, eles já iam caindo no sono.