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PETER PAN

Tamanha gabolice espantou Wendy. Ela havia concertado a sombra e o prosa chamava para si as honras! Já se viu uma coisa assim?

— "Danado, você? disse a menina com ironia. Se fui eu quem costurou a sombra como o danado pode ser você, sêo prosa?

— "Sim, disse o menino ; você ajudou um pouco, não nego.

— "Ajudou! repetiu Wendy imitando-lhe o tom de voz. Pois nesse caso, passe muito bem! Não gosto de gente gabola.

Disse e pulou para a cama, deitando-se e cobrindo a cabeça com a colcha.

Peter Pan desapontou e fez cara de arrependido.

— "Oh, não se ofenda, Wendy ! Eu tenho esse defeito. Sou gabola de nascença. Quando qualquer coisa de bom me acontece, ponho-me sem querer a contar prosa. Seja boa. Perdôe-me. Reconheço que uma menina vale mais do que vinte meninos.

— Isso tambem não ! protestou Pedrinho. Só se lá na Inglaterra. Aqui no Brasil um menino vale pelo menos duas meninas.

— Olhem o outro gabola ! disse Narizinho. Vóvó já disse que louvor em boca propria é vituperio.

— Wendy, continuou dona Benta, enterneceu-se com o tom daquelas palavras e sentou-se de novo na cama, descobrindo a cabeça. Estava risonha e contente.

— "Peter Pan, disse ela, você bem que merece um beijo. Quer?

O menino ficou no ar, sem compreender. Menino sem mãe é assim, nem beijo sabe o que é. Beijo ! pensou ele consigo. Que seria isso de beijo ? Com certeza era aquele copinho de prata que Wendy tinha posto no dedo quando tomou a agulha para coser a sua sombra. Não podia ser outra coisa.