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Por bem dezoito seculos: foi esse
Por cujo amor surgias qual remorso
Nos sonhos do abastado ou do tyranno,
Bradando — «esmola!» a um — «piedade!» ao outro.

Oh cruz, se desde o Golgotha não fôras
Symbolo eterno de uma crença eterna;
Se a n­ossa fé em ti fosse mentida,
Dos oppressos de outr’ora os livres netos
Por sua ingratidão dignos de opprobrio,
Se não te amassem, ainda assim seriam.
Mas és núncia do céu, e elles te insultam,
Esquecidos das lágrymas perennes
Por trinta gerações, que guarda a campa,
Vertidas a teus pés nos dias torvos
Do seu viver d’escravidão! Deslembram-se
De que, se a paz domestica, a pureza
Do leito conjugal bruta violencia
Não vae contaminar, se a filha virgem
Do humilde camponês não é ludibrio
Do opulento, do nobre, oh cruz, t’o devem;
Que por ti o cultor de ferteis campos
Colhe tranquillo da fadiga o premio,
Sem que a voz de um senhor, qual d’antes, dura
Lhe diga: — é meu, e és meu! A mim deleites,