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Ao inquieto filho das cidades:
Comparei o deserto silencioso
Ao perpetuo ruido que sussurra
Pelos palacios do abastado e nobre,
Pelos paços dos reis; e condoí-me
Do cortezão suberbo, que só cura
De honras, haveres, gloria, que se compram
Com maldicções e perennal remorso.
Gloria! A sua qual é? Pelas campinas,
Cubertas de cadaveres, regadas
De negro sangue, elle segou seus louros;
Louros que vão cingir-lhe a fronte altiva
Ao som do choro da viuva e do orpham;
Ou, dos sustos senhor, em seu delirio,
Os homens, seus irmãos, flagella e opprime
Lá o filho do pó se julga um nume,
Porque a terra o adorou: o desgraçado
Pensa, talvez, que o verme dos sepulchros
Nunca se ha-de chegar para traga-lo
Ao banquete da morte, imaginando
Que uma lagea de marmore, que esconde
O cadaver do grande, é mais duravel
Do que esse chão sem inscripção, sem nome,
Por onde o oppresso, o misero, procura
O repouso, e se atira aos pés do throno