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um Delegado da Auctoridade francesa é sufficiente para os pôr a coberto de toda a suspeita de operação illegal, e a França tem o direito, n’esse caso, de considerar a visita de cruzadores estrangeiros como uma affronta á sua bandeira. Não entra seguramente no espirito do Governo portugues desconhecer o quanto é legitima similhante susceptibilidade, mas tem a convicção de que o principio invocado não pode prevalecer no presente caso. Quando foi abordado pelo cruzador portugues, achava-se o Charles et Georges ancorado em paragens defesas. Só depois de ter verificado este delicto e que o mesmo cruzador soube que havia a bordo um Delegado da Auctoridade franceza; mas saindo da posição que tinha a desempenhar, que era afiançar a legalidade das operações do Charles et Georges, perdia o seu caracter; pela sua presença a bordo de um navio que commettia uma infracção, associava-sc a essa infracção, e aggravava-a com a plena auctoridade do seu mandato, longe de a cohonestar.

Basta que a França pese na sua lealdade este simples facto, para comprehender que se collocou na alternativa, ou de admittir que o Delegado cessava desde logo de representar a Auctoridade francesa, ou de pretender que os principios de justiça internacional devem desapparccer perante a superioridade de uma Potencia de primeira ordem, e onde quer que appareça um dos seus agentes a illegalidade torna-se um direito. Todo o passado da França, a falta mesmo dos sentimentos de amisade e de mutua estima que ligam os dois países, repelle esta ultima hypothese.

Cumpre fazer aqui uma observação essencial: o Delegado francez foi o primeiro a reconhecer que a sua presença a bordo do Charles et Georges não podia, n'este caso, de modo algum dar ao navio o privilegia de inviolabilidade. Nem elle nem o Capitão se oppozeram a que o cruzador portuguez exercesse os seus direitos. Não só não teve este que recorrer á força, mas pôde mesmo abster-se das requisições do estylo. Bastou pedir licença para proceder a visita do Charles et Georges para que tudo lhe fosse patente; e quando se lavrou o Auto, não só o Delegado e o Capitão se abstiveram de qualquer protesto directo, mas nem mesmo recorreram ao protesto implicito de uma recusa de assignatura. Um e outro assignaram o Auto sem hesitação e sem reserva.

Em presença de uma ameaça tão grave como a da captura, o Capitão e o Delegado ter-se-iam accommodado tão facilmente, se descobrissem a menor possibilidade, este de invocar o seu caracter official, e aquelle de se defender com a auctoridade de um Agente official?

Posta de parte a questão de principio, restam as questões de facto.