REVISTA UNI VERSA Ti LISBONENSE.
v.
Na caça ou na lide,
Quem ha que me afronte?!
A onça raivosa
Meus passos conhece,
O imigo estremece ,
E a ave medrosa
Se esconde no ceo.
— Quem ha n»ais valente.
— Mais dexlro do que eu?
VI.
Se as matas strujo
Co’os sons do Boré , (2)
NIi 1 arcos se encurvam ,
Mil setas lá voam ,
Mil gritos rehòam ,
Mil homens de pó
Eis surgem-r-respondem
Aos sons do Boró !
— Quem é mais valente,
— Mais forte quem é?
VIL
Lá vão pelas matas
Não fazem ruido:
O vento gemendo,
E as matas tremendo-
E o triste carpido
JVuina ave a cantar ,
São elles — guerreiros-,
Que eu faço avançar.
VIII.
E o Piaga (3) se ruge
No seu Maracá . (4)
A morte lá paira
Nos ares frexados ,
O campo juncado
De mortos é já :
Mil homens viveram.,
Mil homens são lá..
IX.
E então se de novo
Eu toco o Boré ,
Qual fonte que salta
De rocha empinada ,
Que vai marulhosa ,
Frcinente e queixosa ,
Que a raiva apagada
De lodo não é ,
Tal elles se escoam
Aos sons do Bore.
— Guerreiros, dizei-me,.
— Tão forte quem é?
(2) Boré, instrumento musico de guerra, pouco menor
que o figli : dá apenas algumas notas, porém mais ásperas
e talvez mais fortes que as da trompa.
(3N Piugé-piaches-piazcs ou piaga (que mais se conforma
é nossa pronuncia), era ao mesmo tempo o sacerdote e o
medico, o Augure e o cantor dos. indígenas do Brazil e de
outras partes da America.
(4) Maracá, entre os índios, um instrumento sagrado ,
como o psalterio entre os hebreos, ou o orgao entre os chris-
tàos, era uma cabaça crivada, cheia de j edras ou búzios, e
atravessada por um hastil ornado de pennas ujulticores, que
lhe servia de cabo. O antigo viajante Uolonx Baro testemu¬
nha da veneração que os indios lhe tributavam, chamasa-lhe
O MOURO DO ALECRIM.
Manito — Manito— cobriste o teu rosto
Com denso velamen de pennas gentis ;
E jazem teus íiihos clamando vingança
Dos bens que lhes désle da perda infeliz.
Teus filhos valentes, temidos na guerra,
No albor da manhãa quão fortes que os vi !
A morte pousava nas plumas da írexa ,
No guoie da maça , no arco tupi.
E hoje em que apenas a enchente do rio
Cem vezes hei visto crescer — abaixar...
Já restam hem poucos dos teus que inda possam
Dos seus , que já dormem , os ossos levar.
Teus filhos valentes causavam terror
Taus filhos enchiam as hordas do mar ,
As ondas coalhavam de estreitas igaras
De frexas cuhrindo os espaços do ar.
Já boje não C3çam nas matas tão suas
A corça ligeira — trombudo coati. . .
A morte pousava nas plumas da frecha ,
No gume da maça — no arco tupi.
O Piaga nos disse que breve seria ,
M anito , dos teus a cruel punição;
E os teus ainda vagam por serras , por valles,
Buscando um asylo por invio sertão !
Manito — Manito — descobre o teu rosto ,
Bastante nos pêsa da lua vingança ;
Já lagrimas tristes chorarão teus filhos ,
Teus filhos que choram tam grande tardança.
Àbstendo me de outras citações que occupariam de¬
masiado espaço, não posso resistir átentação de trans¬
crever das Poesias Diversas uma das mais mimosas com¬
posições lyricas que tenho lido na minha vida :
SEUS OLHOS..
Seus olhos tão negros — tão bellos — tão puro» —
De vivo luzir ,
Estrellas incertas, que as agoas dormentes
Do mar vão ferir;
Seus olhos tão negros — tão bellos — tão puros —
Tem meiga expressão ,
Mais doce que a briza , — mais doce que o nauta
De noite cantando, — mais doco que a frauta
Quebrando a soidão.
Seus olhos tão negros — tão bellos —tão puros —
De vivo luzir
São meigos infantes , gentis , engraçados
Brincando — a sorrir
u.Lc dinltle porlè dans vne rnlrhnsse. A esta palavra vãa al¬
guns moderno» buscar a ehmalogia da palavra America.
Página:Revista universal lisbonense 1847-12-09.djvu/7
Saltar para a navegação
Saltar para a pesquisa
