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contrastravam com a musculosa estructura d'esse corpo de athleta, fundido em bronze.

VI

Aquella lua nova do mez de janeiro déra agua pela barba aos pescadores.

O vento e o mar batiam-se desesperadamente, empenhados em uma lucta titanica. Logo ao fechar da noite, a espessa cerração embrulhava as ondas em uma mortalha de largas dobras roçagantes. E o mar crescia em acastellados vagalhões, ameaçando devorar Sines.

Por espaço de muitos dias, os pescadores não se aventuraram a ir ao mar.

O combate era impossivel entre o homem, misero atomo perdido na immensidade, e o monstro, indomado e indomavel, prompto a engulil-o.

O Manuel Cherne ficára-se no casinholo, a remendar as redes, emquanto o Silvestre aproveitava a primeira aberta, para se fazer ao largo.

Amanhecêra um dia chuvoso e encarvoado. Do céo baixo, acolchoado de nuvens pardacentas, descia lentamente a lugubre tristeza das catastrophes eminentes.

Sentia-se o convulsivo dilaceramento de una agonia tumultuosa n'esse oceano embravecido, cavado de medonhos vortices, alteando-se, por vezes, em montanhas de espuma, que pareciam lamber as nuvens, vergastado pelo vento da tempestade que lhe arrancava rugidos cavernosos.

A's duas horas da tarde, a cerração augmentára, confundindo a terra e o mar na mesma tinta aquosa, cobrindo-os com o mesmo sudario plumbeo, apertando-os na mesma cinta de ferro sulcada,