Página:Ultimas Paginas (Eça de Queirós, 1912).djvu/240

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orava: – e de novo descia ao seu duro labor, cantando salmos, enquanto a enxada batia o torrão, ou os ombros lhe vergavam sob o carreto de pedregulhos, para que, sem descontinuar, subisse do ermo para o Céu, como um fumo de ara que nunca se apaga, o preito do seu coração.

Lentamente, monte e rochas se tingiam de uma cor rosada, semelhante a um rubor humano: as alturas eram de âmbar fino: nas folhagens, mais leves, e como aliviadas, passava um frémito de asa, um pio fugidio das aves que vinham beber à fonte: – e quando Onofre recolhia ao alto eirado, com a sua enxada ao ombro, todo o deserto, em baixo, até ao mar, rebrilhava como uma lâmina de cobre. O Sol descia por trás de nuvens, que ensanguentava – e era então que o Solitário, aliviando a fadiga num longo suspiro, se sentava, com uma côdea de pão duro e umas poucas de tâmaras no regaço, e a sua cabaça de água fresca pousada junto da cruz. Com os olhos derramados pelas areias imensas que empalideciam, Onofre comia lentamente.

Cada sorvo de água espalhava no seu ser, com a frescura, o contentamento de um dia todo consumido a trabalhar na obra de Deus. E a sua Oração de Graças era tão enternecida, que as lágrimas, uma a uma, lhe rolavam nas barbas poeirentas.