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Página:Ultimas Paginas (Eça de Queirós, 1912).djvu/260

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feridas incuráveis que lhe deixara o cilício. Enfim uma madrugada, indo ele junto do monte de folhas secas que lhe servia de leito para o ajudar a erguer, encontrou o Solitário morto! Morto, como adormecido, na postura de uma criancinha, com a mão sob a face, os joelhos junto do peito, tão pequenino, que as ervas secas do leito eram mais longas: – e a sua face, tornada cor-de-rosa, sorria com serenidade.

Por suas mãos o enterrara na areia, junto da grande cisterna: – e quando a cova ficou bem coberta com pedras por causa das feras, ele sentiu penetrar na sua alma o heroísmo penitente do velho Solitário. Era como se tivesse herdado aquela alma formidável, que se reunira à sua e lhe comunicava a sua fortaleza invencível. Trans-portado numa imensa esperança, apeteceu ansiosamente, também, uns cem anos de Deserto, e de oração, e de mortificação, e o seu nome espalhado por todo o Egipto cristão, e uma morte igual, com a mão sob a face, sorrindo, e tão pequenino que coubesse nos braços de um anjo! Recolheu então a túnica de pele que usava Nilo, e o seu rolo da Escritura, e o seu bordão, e a sua cabaça, e avançara pelo Deserto, para o lado do oriente e do mar. O seu sustento todo fora um pão trazido da caverna do velho: para evitar que um bando de nómadas o levasse como escravo, estivera uma noite inteira agachado, enterrado nos lodos fétidos de