Página:Ultimas Paginas (Eça de Queirós, 1912).djvu/299

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e dos folgares pagãos.

O pretor romano era aí doce aos Cristãos; – mas a heresia dilacerava a Igreja já considerável e activa, de que era bispo Alexandre, homem austero e rude, que guardara cabras na Galácia. Onofre foi habitar Bubastes. Como as suas longas barbas inspiravam respeito, e alguns fiéis o saudavam nas ruas, cortou as barbas – e trocou o seu surrão de Solitário por um saião de escravo. Ele logo, na verdade, se tornara o escravo dos pobres. Junto ao muro, ricamente ornado de esculturas, que cercava o templo e os bosques sagrados, costumavam, desde o romper da alva, juntar-se doentes e mendigos. E aí, desde alva também, depois da noite velada em orações, Onofre trabalhava no serviço dos miseráveis, arranjando leitos de folhas para os velhos, lavando os trapos à beira do canal, cobrindo de fios as chagas, catando a vérmina nos cabelos intonsos. Depois ia mendigar para os seus pobres, por toda a cidade, desde as casas mais ricas, onde os cães lhe ladravam, até às tabernas dos canais, ou às cubatas das prostitutas, de onde trazia sempre no saco algumas côdeas de pão, restos de peixe, ou uma maquia de lentilha: – e não duvidava mesmo entrar no templo de Artemis, ou, ao fim da larga avenida, no templo de Hermes, e esmolar dos deuses pagãos, pela mão dos seus sacerdotes,