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Página:Ultimas Paginas (Eça de Queirós, 1912).djvu/381

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curiosidade temerária, que tudo queria compreender, até a Ordem da Natureza. Era sobretudo à tarde, quando para repousar das práticas estudiosas, ambos subiam ao eirado da torre de Ermigues, e lentamente passeavam em volta das ameias todas verdes de hera. O céu arqueava por cima a sua abóbada de azul-claro, imutável e sempiterna. O Sol, como uma roda de metal candente, roçava a espinha dos montes, dardejando longos raios. E a terra, escura e maciça, estendia a sua ondulação de vales e serras, até onde o olhar se perdia.

Então D. Gil queria saber qual era, na verdade, a forma da Terra: para onde ia o Sol, quando se sumia tão serenamente por trás dos montes: e quem sustentava assim, tão firme, a abóbada do céu. Para satisfazer o seu discípulo, Frei Múnio folheava os in-fólios, que pedia emprestados à livraria do convento, sobre os Ensinamentos da Prudência, obra mirífica que, nas suas laudas fortes, encerrava a suma do saber beneditino. E pondo o dedo na lauda, explicava a Gil que a Terra é quadrada, tendo por centro, na face voltada para o Céu, a santa cidade de Jerusalém: que o Sol, de noite, vai alumiar o mar, e por vezes, em dias de festa, alumiar o Purgatório: e que, quem ampara esta abóbada, cheia de luz, de estrelas, de nuvens, de ventos, são os quatro evangelistas, aos quatro cantos do mundo, com as suas mãos