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simples maravilhosos –e a ele, não a outro, se devia que em toda a terra do Douro ou das Beiras se reconhecia hoje a excelência da mandrágora! Dizia estas coisas profundas com um grande ar inspirado e sinistro. Em redor, toda a cozinha estava cheia de almofarizes, grossas garrafas com líquidos de cores radiantes, aves empalhadas, molhos de ervas secas pendurados das traves defumadas do tecto: um cheiro doce e triste perturbava a alma: e nos vastos in-fólios, com fechos de metal, parecia dormir uma ciência imensa e profunda.

D. Gil voltava para o solar, devorado pela curiosidade daquele saber. Nenhum poder humano lhe parecia mais alto do que aquele que suprime as dores, luta com a influência do invisível, e vence a Morte. Quanto bem a derramar pelo mundo, quando se possua aquele divino saber! Se era já belo e grande tomar armas e ir pelo mundo livrar os homens dos males que os homens lhes fazem, quanto maior e mais belo libertar o pobre corpo dos males infinitos que lhe faz a Natureza! E bem compreendia agora aquela regra, tão fundamental, dos livros de boa cavalaria, que todo o bom cavaleiro devia saber a arte de curar as feridas que a lança faz. Não era pois indigno, antes nobremente próprio de um fidalgo, conhecer os simples, as influências, a arte do bem-sarar. Por aquela ciência, como por uma escada sem fim que