Página:Ultimas Paginas (Eça de Queirós, 1912).djvu/435

Wikisource, a biblioteca livre

fundir-se, naquela grande tristeza da solidão e do calor, a vontade, o desejo de acção, que tão alegremente o fazia galopar nos primeiros dias de jornada, como para uma conquista: – e agora, o seu pensamento voltava-se para ideias de repouso, de indolência, entre mármores frescos, em jardins bem regados. Ao seu lado, com a perna encolhida sobre o arção da sela, Pêro Malho feria as cordas da viola num don-dlin-don seguido, cantando, para animar a marcha, as trovas de um cavaleiro que, atravessando um laranjal, encontrara uma infanta a pentear os cabelos de ouro. E a imaginação de Gil seguia aquela infanta, sentia a frescura do laranjal – dos cabelos da dama passava aos seus braços brancos, que se arqueavam, no mover do pente. Uma sonolência lânguida ia-o invadindo, naquela fraqueza crescente do jejum e da sede. A grande planície, lívida, flamejava em silêncio. Muito cansadas, as mulas mal sacudiam o pescoço baixo, que os moscardos mordiam. Grandes bafos de calor passavam por vezes tão espessos, que as faces dos dois viajantes lhes sentiam o embate mole e ardente. E, incansáveis, teimosos, para animar a marcha, os dedos de Pêro feriam a viola com um dlin-dlon seguido. O cavaleiro, na sombra do laranjal, ajoelhado na relva aos pés da dama, beijava a franja do seu cinto branco. Gil mal seguia