se conservar o chinelo de ourelo, e ser-se fiel ao sarrabulho de porco, mas por toda a parte há vagamente essa tendência, essa aspiração, esse desejo escondido de não se ser como foram nossos avós, mas de outro modo, como se é lá fora. E lá fora – é a França.
O pai de um amigo meu, em 1836 ou 1848, num ódio repentino a tudo que lhe lembrava o velho Portugal, foi-se à sua mobília antiga, de pau-preto torneado e de assentos de couro lavrado, e num só dia vendeu, queimou, sepultou em sótãos, dispersou todas essas formas vetustas, que lhe vinham do passado; depois correu a um estofador da esquina, e comprou, ao acaso, num lote, uma mobília francesa. O que este homem fez, todo o Portugal o fez. Num rompimento desesperado com o velho regime, tudo quebrou, tudo estragou, tudo vendeu. Achou-se de repente nu; e como não tinha já o carácter, a força, o génio, para de si mesmo tirar uma nova civilização, feita ao seu feitio, e ao seu corpo, embrulhou-se à pressa numa civilização já feita, comprada num armazém, que lhe fica mal, e lhe não serve nas mangas.
Como acontece sempre nestas toilettes feitas à pressa, vêem-se ainda, por baixo do arrebique francês, os restos do fato primitivo e rude. Portugal ainda usa tamancos. Mas mesmo onde este desventuroso país usa tamancos, tem o seu coração, o seu desejo voltado para a bota de verniz