Página:Ultimas Paginas (Eça de Queirós, 1912).djvu/96

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junto ao cruzeiro, e os primeiros pássaros, chalrando de madrugada, pousavam sobre os seus ombros, como sobre colinas escuras.

Aos domingos repousava, e esse era o seu dia melhor, porque as crianças brincavam com ele. Sentindo-o doce e paciente, todas corriam para ele como para um grande bicho que os divertia: e trepando por ele, era como o vivo prazer de trepar a árvores e a torres. Por vezes, com as mãos pousadas na terra, ele oferecia o seu vasto dorso, em que cavalgavam, presos pela cinta, uma longa fileira de corpinhos ágeis e vivos: e dando corcovos, imitava, entre as risadas alegres, o urro do leão ou o heróico relinchar de um corcel. Além disso sabia fazer, com as suas mãos cabeludas e cheias de terra, todas as sortes de brinquedos – flechas de caça, pequenos carros que rodavam no pó, barcos com velas para vogar no pego. Para tudo as crianças o tinham pronto – e só se recusava quando eles tentavam estragar a fruta verde, ou fazer mal aos melros.

Mas, de todas as crianças da aldeia, uma governava superiormente o seu coração. Era a filha de uma viúva – daquela que Cristóvão ouvira chorar, e à porta de quem batera, como mandado por Jesus, seu amo. O pai morrera nesta noite – e à pobre mulher não restava ninguém no mundo para tratar as terras, cuidar das ovelhas. Mas, desde essa noite, uma grande