— Cumpre que vos confesse como a amava... – aqui, recolheu-se a si, e fazendo um esforço sobre-humano, continuou – Oh! Amava-a como o cativo ama a liberdade, como o ébrio o vício que o mata; seguia-a como o colibri as flores, como a bússola o Norte, como o fiel lebréu a seu dono: era uma paixão que me prendia o coração e os sentidos, era um frenesi, um delírio próximo da loucura perene. Tudo ela destruiu em um momento, como a criança o brinco, cujo valor não sabe!... Via-a na escuridade da noite, no cair da tarde; via-a na erva do prado, no cálice de uma flor, no firmamento entre as estrelas mais brilhantes, no arrulho amoroso das aves, no canto sentido da sororina... Oh! Sempre ela, sempre ela, em todos os lugares, em todos os tempos, e sempre bela, sempre meiga e sedutora, sempre apaixonada!
E eu gemia de amor, e de saudades, e amaldiçoando a separação; porque esse afeto, que me escaldava e se apossara de todo o meu ser, julgava-o igual e tão intenso no seu peito. Engano, engano fatal!...
— Úrsula! Agora todo esse amor, ou inda amor mais sublime, mais digno de vós nutre o meu coração; agora poderei ter forças para contar-vos a história da minha vida.
E depois de breve pausa, prosseguiu, suspirando:
— Quisera que o meu passado fugisse como a sombra de uma ave inquieta, ou como a nuvem que o vendaval desfaz, para nunca mais invocá-lo; porque é triste e pungente, mas é preciso pedir-lhe recordações, que me rasgarão de novo feridas mal cicatrizadas, para patentear-vos todas as minhas longas e profundas dores.
Rogo-vos, pois, que não tomeis a minha narração, quando tenha de ser apaixonada, como desejo do passado e