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sôbretudo desde que dei a minha demissão de poeta e cahi na prosa. Mas aqui tem o que me succedeu o outro dia. Tinha estado ás voltas com o meu Bentham, que é um grande homem por fim de contas o tal quaker, e são grandes livros os que elle escreveu: cançou-me a cabeça, peguei no Camões e fui para a janella. As minhas janellas agora são as primeiras janellas de Lisboa, dão em cheio por todo esse Tejo. Era uma d’estas brilhantes manhans d’hynverno, como as não ha senão em Lisboa. Abri os Lusiadas á ventura, deparei com o canto IV e puz-me a ler aquellas bellissimas estancias


E ja no porto da inclita Ulyssea...

Pouco a pouco amotinou-se-me o sangue, senti baterem-me as arterias da fronte... as lettras fugiam-me do livro, levantei os olhos, dei com elles na pobre nau Vasco-da-Gama que ahi está em monumento-caricatura da nossa glória naval... E eu não vi nada d’isso, vi o Tejo, vi a bandeira portugueza fluctuando com a brisa da manhan, a tôrre de Belem ao longe... e sonhei, sonhei que era portuguez, que Portugal era outra vez Portugal.