Pacotilha
Não ralhem, não façam bulha,
Que eu não sei se isto é pulha.
(Polka)
Se vive á janella
Moçoila gorducha,
Qual freira capucha,
Mirando o janota;
Fazendo tregeitos,
De lenço abanando,
O olho piscando —
E’ tola, idiota
Se meiga donzella,
D’amor delirante,
Em labios de amante
Segura se faz;
Poem fé no magano,
Lá cede um beijinho,
Mais outro abracinho —
Está no carcaz. ...
Se velha caduca,
De face rugosa,
Pretende anciosa
Gentil namorado;
Com feyas caretas
O dente arreganha,
Suspira, por manha —
E’ triste peccado.
E tendo na bocca
Postiço teclado,
Com cera pegado,
Que joga e chocalha,
Das moças critica,
Com sanha de furia,
Banindo a luxuria —
Não passa de gralha.
Se tolo basbaque,
Em prosa maçante
Julgando-se um Dante,
Se torna poeta;
Sem estro e sem tino,
De amor em furores,
Só falla das flores —
Precisa dieta.
E tendo na cara
Trombudo focinho,
Qual porco de espinho,
Se faz namorado;
Mettido em funduras
Lá geme, e suspira,
Qual fero Tymbira —
E’ asno chapado.
Se guapo marido,
Rapaz de bom gosto,
Vai pelo sol posto
Jogar seu pacáo;
Deixando a metade,
Contente, alegrinho,
Não vê que o visinho....
Coitado, é patáo!
Mas sendo avesado
A’ tal brincadeira,
Quindim, frioleira,
Lhe chama — brejeiro —
Na phrase do mundo
Não passa por tolo;
Tem fronte e miolo
De manso Cordeiro.
Se tropego velho,
De queixo cahido,
Dengoso e rendido,
Com moça se liga:
Lá quando mal cuida
Na fronte lhe saltam,
Relevos que esmaltam,
Em fórma de espiga.
Se rapa o que póde
Finorio empregado,
Campando de honrado,
Cuidando que brilha;
Em dia aziago
Tropeça, baqueia,
E vai, na cadeia,
Juntar-se á quadrilha.
Se impinge nobreza
Brutal vendilhão,
Que sendo Barão
Já pensa que é gente;
Aquelles que o viram
Cebolas vendendo,
Vão sempre dizendo —
Que o lorpa é demente.
Se em peitos que fervem
Infamias tremendas
Avultam commendas
E premios de honor;
E’ que, com dinheiro,
Os rudes cambétas
Se levam das tretas
E mudam de côr.
Se fino larapio
De vicios coberto,
Com fóros d’esperto,
De honrado se acclama;
E’ que a ladroeira,
Banindo o criterio,
Firmou seu imperio
C’o gente de fama.
Se audaz rapinanto,
Fidalgo ou Barão,
Por ser figurão,
Triumpha da Lei;
E’ que ha Magistrados
Que empolgam presentes
Fazendo innocentes
Os manos da grey.
Mulato esfolado.
Que diz-se fidalgo,
Porque tem de galgo
O longo focinho;
Não perde a catinga,
De cheiro fallace,
Ainda que passe
Por brazeo cadinho
E se eu que pretecio,
D’Angola oriundo,
Alegre, jucundo,
Nos meus vou cortando;
E’ que não tolero
Falsarios parentes,
Ferrarem-me os dentes,
Por brancos passando.