Pan-Americano
Aspeto
Na venda. Manuel, o vendeiro, está ao balcão. O Chico Facada acaba de beber dois de parati.
Chico (limpando os beiços)
- Ó seu Manuel?
Manuel
- Diga!
Chico
- Eu sou um cabra vigiado: já fui atá ao Acre mas sou inguinorante. Você, que é todo metido a sebo, me explique o que vem a ser isso de pan-americano.
Manuel
- Sei lá! Pois se a coisa é americana, como quer você que eu saiba? Tenho os meus estudos, isso tenho, mas só entendo do que é nosso. Lá o americano sei o que é; o pan é que me dá volta ao miolo!
Chico
- Você tem aquele livro que ensina tudo, e que o copeiro do doutor Furtado lhe vendeu para papel de embrulho?
Manuel
- Ah! Tenho! Tenho! Lembra você multo bem! E é justamente o volume que tem a letra p. (vai buscar numa prateleira o segundo volume do dicionário de Eduardo Faria) Ora, vamos ver! Isto é um livro, "seu" Chico, comprado a peso, aqui no balcão, por uma bagatela, mas que não dou por dinheiro nenhum. É obra rara! (depois de folhear o dicionário) Cá está! (lendo) "Pan: deus grego..."
Chico (interrompendo)
- Grego ou americano?
Manuel
- Aqui diz grego. Talvez seja erro de imprensa. (continuando a leitura) "Filho de Júpiter e de Calisto."
Chico
- Que diabo! Então ele tem dois pais?
Manuel
- Naturalmente Júpiter é a mãe. O nome é de mulher. (lendo) "Presidia ao rebanho e aos pastos, e passava pelo inventor da charamela."
Chico
- Charamela? Que vem a ser isso?
Manuel
- Lá na terra chamamos nós charamela a uma espécie de flauta.
Chico
- De flauta? Então já sei! Isso de pan-americano é uma flauteação!
Manuel (fechando o dicionário)
- Diz você muito bem, "seu" Chico: são uns flauteadores! Ora, que temos nós com os pastos e os rebanhos? (vai guardar o dicionário) Coisas que eles inventam para gastar dinheiro, como se o dinheiro andasse a rodo! (em tom confidencial) Olhe, aqui para nós, que ninguém nos ouve, o filho de Calisto deve ser o tal Rute, que andou por aí a fazer discursos e a encher o pandulho...
Chico
- Por falar em calistos, venha mais um de parati, "seu" Manuel!