Papéis avulsos/Advertência
ADVERTENCIA
Este titulo de Papeis avulsos parece negar ao livro uma certa unidade; faz crer que o autor colligiu varios escriptos de ordem diversa para o fim de os não perder. A verdade é essa, sem ser bem essa. Avulsos são elles, mas não vieram para aqui como passageiros, que acertam de entrar na mesma hospedaria. São pessoas de uma só familia, que a obrigação do pae fez sentar á mesma mesa.
Quanto ao genero delles, não sei que diga que não seja inutil. O livro está nas mãos do leitor. Direi sómente, que se ha aqui paginas que parecem meros contos, e outras que o não são, defendo-me das segundas com dizer que os leitores das outras podem achar nellas algum interesse, e das primeiras defendo-me com S. João e Diderot. O evangelista, descrevendo a famosa besta apocalyptica, accrescentava (XVII, 9): “ E aqui ha sentido, que tem sabedoria.” Menos a sabedoria, cubro-me com aquella palavra. Quanto a Diderot, ninguem ignora que elle, não só escrevia contos, e alguns deliciosos, mas até aconselhava a um amigo que os escrevesse tambem. E eis a razão do encyclopedista: é que quando se faz um conto, o espirito fica alegre, o tempo escoa-se, e o conto da vida acaba, sem a gente dar por isso.
Deste modo, venha donde vier o reproche[1], espero que dahi mesmo virá a absolvição.
Machado de Assis
Outubro de 1882.
Notas
[editar]- ↑ Veja Nota no fim.
Deste modo, venha d’onde vier o reproche...
Não ousava fazer-lhe nenhuma queixa ou reproche. |
ADVERTENCIA
pag. 19. |
Cerca de dous annos para cá, recebi duas cartas anonymas, escriptas por pessôa intelligente e sympathica, em que me foi notado o uso do vocabulo reproche. Não sabendo como responda ao meu estimavel correspondente, aproveito esta occasião.
Reproche não é gallicismo. Nem reproche nem reprochar. Moraes cita, para o verbo, este trecho dos Ined. II fl. 259: “hum non tinha que reprochar ao outro”; e aponta os logares de Fernando de Lucena, Nunes de Leão e D. Francisco Manoel de Mello, em que se encontra o substantivo reproche. Os hespanhoes tambem os possuem.
Resta a questão de euphonia. Reproche não parece mal soante. Tem contra si o desuso. Em todo caso, o vocabulo que lhe está mais proximo no sentido, exprobração, acho que é insupportavel. Dahi a minha insistencia em preferir o outro, devendo notar-se que não o vou buscar para dar ao estylo um verniz de extranheza, mas quando a ideia o traz comsigo.