Parnaso mariano (1890)/Notas/Anthero Tarquinio do Quental

Wikisource, a biblioteca livre

NOTAS[1]



Anthero Tarquinio do Quental (X), filho de Fernando do Quental, nasceu na ilha de S. Miguel a 18 de abril de 1842. A formosissima poesia que d’elle tomamos pertence a um elegante opusculo que consta de 28 sonetos, colleccionados pelo redactor do jornal a Renascença, o sr. Joaquim de Araujo. Foi impresso no Porto em 1880, e com o titulo de Plena gratiae já se publicara em 1875 no Cenaculo (pag. 110 e 111), jornal redigido pelo sr. Cândido de Figueiredo.

O mesmo sr. Candido de Figueiredo num dos seus livros (Homens e Letras, pag. 166 e 167) refere o modo como recebeu esta poesia: «Aqui tem (diz elle em conversa com o Marquez de Sousa)...: é um soneto firmado por um dos nossos collaboradores mais distinctos. Intitula-se Plena gratiae, e é dedicado á Virgem Sanctissima, Senhora nossa.
— De quem é?
— Adivinhe.
— Sei lá! pelo assumpto parece ser de estudante de Seminario...
— Pois saiba que é de um socialista, de um republicano, talvez de um atheu.
— Então é troça.
— Pois não é. Veja. É um soneto respeitoso, grave e serio, como é serio e grave o seu auctor, Anthero do Quental.»

Em 1886 editou o sr. J. P. Oliveira Martins os Sonetos completos de Anthero do Quental, volume de 126 paginas, tambem impresso no Porto, precedido de uma elegante introducção do editor, onde se incluem algumas outras poesias do mesmo poeta. Os sonetos são 110, divididos em cinco series, comprehendendo 20 a primeira (1860–1862), 28 a segunda (1862—1866), 17 a terceira (1864—1874), 23 a quarta (1874—1880) e 21 a quinta (1880—1884). Pertence á quarta o que dedicou á Virgem Maria (pag. 88). É também religioso o ultimo da collecção, que se intitula Na mão de Deus.

O sr. Oliveira Martins dá a sua opinião a respeito d’este lyrico notavel: «É sabidamente, diz elle, um poeta na mais elevada expressão da palavra; mas ao mesmo tempo é a intelligencia mais critica, o instincto mais pratico, a sagacidade mais lucida, que eu conheço. É um poeta que sente, mas é um raciocinio que pensa. Pensa o que sente; sente o que pensa... Anthero do Quental não faz versos á maneira dos litteratos: nascem-lhe, brotam-lhe da alma como soluços e agonias. Mas, apezar d’isso, é requintado e exigente como um artista: as suas lagrimas hão de ter o contorno de perolas, os seus gemidos hão de ser musicaes. As faculdades artísticas geradoras da estatuaria e da symphonia são as que vibram na sua alma esthetica.»

O soneto que inserimos lembra-nos o do visconde Henrique de Rochefort, que se publicou em 1854, dedicado á Conceição, e que reproduzimos.

 
LA CONCEPTION
 

Toi, que n’osa frapper le premier anathème;
Toi, qui naquis dans l’ombre et nous fis voir le jour,
Plus Reine par tor cocur que par ton diadème,
Mère avee l’innocence et Yierge avec l’amour,

Je t’implore là haut, comme ici bas je t’aime,
Car tu conquis ta place au céleste séjour;
Car le sang de ton Fils fut ton divin Baptême,
Et tu pleuras assez pour régner à ton tour.

Te voilà maintenant près du Dieu de lumière,
Le genre humain courbé t’invoque la première
Ton aceptre est de rayons, ta couronne est de fleurs.

Tout s’incline à ton nom, tout s’épure à ta flamme,
Tout te chante, ó Marie! et pourtant quelle femme
Même au prix de la gloire eut bravé tes douleurs?

Luçay — 1854.

Vicomte de Rochefort.

Este visconde é hoje o cidadão Rochefort, o revolucionario, celebre desde a Communa em 1871 até hoje que apoia o general Boulanger. D’este peregrino engenho nos escreveu ha pouco um nosso venerando amigo : «II ne faut pas désespérer de son retour à des sentiments chrétiens. La Mère de miséricorde qu’il a glorifiée dans ses beaux vers aura pitié de cette pauvre âme égarée par les doctrines perverses du siècle.»

E noutra parte accrescenta «Révolutionnaire au premier chef, il a pris part à tous les complots, à toutes les émeutes sous le règne de Napoléon III et sous la seconde république. Plusieurs fois enferme à Sainte Pélagie, c’est dans la prison qu’il s’est marié, et, chose curieuse, il a voulu contracter un mariage non civil seulement, mais religieux. Exilé à Nouméa, il rompa la vigilance de sés gardiens, il retourna en France. Actuellement il est en Angleterre auprès du fameux Boulanger et sera prochainement jugé par la Haute-Cour comme complice du général accusé d’attentat et de complot contre la sureté de l’Etat — la Republique.»

Notas da edição original[editar]

  1. A numeração romana que entre parenthesis acompanha cada nome de poeta indica o numero da poesia ou poesias que lhe pertencem.