Piano... Piano...
Aquele grupo de senhoras chics possuía, todo ele, idéias originalíssimas sobre a vida e sobre o amor. A maior parte delas reduzia, porém, este sentimento a um certo número de sensações, descendo de uma atmosfera de idealidade ao baixo círculo dos prazeres terrenos. A mais formosa de todas falava, mesmo, assim:
— O amor, meu caro Sr. conselheiro, é uma espécie de música, ligeira ou lenta, suave ou tumultuosa, que o homem tira desse piano de nervos, que é a mulher. Homens há, que são grandes artistas, verdadeiros mestres na arte. Outros, não passam de principiantes, que não ligam, sequer, duas notas.
A dissertação era, como se está vendo, curiosa e inteligente. E foi certa do meu encantamento que a linda senhora continuou:
— Eu sei de homens que são verdadeiros Rossini diante de uma mulher. Delicados de alma e tato, eles tiram delas harmonias embaladoras, sentimentos doces, árias tão ternas que parecem destacadas do coro dos anjos. Outros são wagnerianos: amam com barulho, com tumulto, com uma raiva sonora que, às vezes, rebenta o piano!
— E Vossa Excelência, quais prefere? — indaguei.
— Eu? — atendeu a formosa senhora.
— Eu sou piano de concerto, em que se tem executado tudo: Chopin, Wagner, Saint-Saens, Massenet, Verdi, os mestres, em suma, da escola italiana, da escola francesa, da escola alemã. Homem educado e de sentimentos finos, meu primeiro marido tirou de minh'alma e do meu corpo uma série de harmonias brandas, que me faziam adormecer... O segundo, foi um wagneriano de marca. Era um rapaz brasileiro de trinta e tantos anos, sangue de fogo, temperamento tropical, capaz de tocar a quatro mãos tendo apenas duas.
— E agora?
— Agora estou viúva. O piano está fechado, à espera de outro pianista.
Um sorriso brejeiro deu, nela, sinal aos olhos. Estes incendiaram-se, e eu, que os vi assim, observei:
— E agora, que música seria agradável ao piano dos seus nervos?
— Ao meu piano?
— Sim, senhora.
A linda criatura não tergiversou.
— Um... "jazz-band"! — respondeu.
E estremeceu toda, os olhos semicerrados, como se lhe tivesse corrido um calafrio pela espinha.