Poesias (Bernardo Guimarães, 1865)/Cantos da solidão/Esperança
Espère, enfant! — demain! — et puis demain encore;
Et puis, toujours demain!
(V. Hugo.)
Singrando vai por mares não sulcados
Aventureiro nauta, que demanda
Ignotas regiões, sonhados mundos;
Eil-o que audaz se entranha
Na solidão dos mares — a esperança
Em lisongeiros sonhos já lhe pinta
Rica e formosa a terra suspirada,
E corre, corre o nauta
Avante pelo paramo das ondas;
Além um ponto surde no horizonte
Confuso — é terra! — e o coração lhe pula
De insolito prazer.
Terra! — terra! — bradou—e era uma nuvem!
E corre, corre o nauta
Avante pelo paramo das ondas;
No profundo horizonte os olhos avidos
Ancioso embebe; — ai! que só divisa
Ermos céos, ermas ondas....
O desalento já lhe côa n’alma;
Oh! não; eis nos contins lá do oceano
Um monte se desenha;
Não é mais illusão — já mais distincto
Surge acima das ondas — oh! é terra!
Terra! — terra! — bradou; era um rochedo,
Onde as ondas batendo eternamente
Rugindo se espedação.
Eis do nosso passar por sobre a terra
Em breve quadro uma fiel pintura;
E’ a vida oceano de desejos
Intermino, sem praias,
Onde a esmo e sem bussola boiamos
Sempre, sempre com os olhos enlevados
Na luz d’esse fanal mysterioso,
Que alma esperança mostra-nos sorrindo
Nas sombras do porvir.
E corre, e corre a existencia,
E cada dia que cahe
Nos abysmos do passado
E’ um sonho que se esvai,
Um almejo de noss’alma,
Anhelo de f’licidade
Que em suas màos espedaça
A cruel realidade;
Mais um riso que nos labios
Para sempre vai murchar,
Mais uma lagrima ardente
Que as faces nos vem sulcar;
Um reflexo de esperança
No seio d’alma apagado,
Uma fibra que se rompe
No coração ulcerado.
Pouco e pouco as illusões
Do seio nos vão fugindo,
Como folhas ressequidas,
Que vão d’arvore cahindo;
E nua fica nossa alma
Onde a esp’rança se extinguio,
Como tronco sem folhagem
Que o frio inverno despio.
Mas como o tronco remoça
E torna ao que d’antes era,
Vestindo folhagem nova
C’o volver da primavera,
Assim na mente nos pousa
Novo enxame de illusões,
De novo o porvir se arreia
De mil douradas visões.
A scismar com o futuro
A alma de sonhar não cansa,
E de sonhos se alimenta,
Bafejada da esperança.
Esperança que és tu? Ah! que minha harpa
Já não tem para ti sons lisongeiros;
Sim — n’estas cordas já por ti malditas
Acaso tu não ouves
As queixas abafadas que susurrão,
E em voz funerea soluçando vibrão
Um cantico de anathema?
Chamem-te embora balsamo do afflicto,
Anjo do céo que nos alenta os passos
Nas sendas da existencia;
Nunca mais poderás, fada enganosa,
Com teu canto embalar-me, eu já não creio
Nas tuas vãs promessas;
Não creio mais n’essas visões donosas
Fantasticos painéis, com que sorrindo
Matizas o futuro!
Estereis flôres, que um momento brilhão
E cahem murchas sem deixarem fructo
No tronco desornado.
— Vem após mim — ao desditoso dizes; —
Não esmoreças, vem; — é vasto e bello
O campo do futuro; — lá florecem
As mil delicias que sonhou tua alma,
Lá te reserva o céo o doce asylo
A cuja sombra abrigarás teus dias.
Porém — é cedo — espera.
E eil-o que vai com os olhos enlevados
Nas cores tão formosas
Com que bordas ao longe os horizontes....
E fascinado o misero não sente
Que mais e mais se embrenha
Pela sombria noite do infortunio.
E se dos labios seus queixas exhala,
Se o fel do coração emfim transborda
Em maldições, em gritos de agonia,
Em teu regaço, perfida seréa,
Co’a voz embaidora, inda o acalentas;
— Não esmoreças, não; — é cedo; espera; —
Lhe dizes tu sorrindo.
E quando emfim no coração quebrado
De tanta decepção, soffrer tão longo,
Nos vem roçar do desalento o sopro,
Quando emfim no horizonte tenebroso
A estrella derradeira em sombras morre,
Esperança, teu ultimo lampejo,
Qual relampago em noite tormentosa,
Abre clarão sinistro, e mostra a campa
Nas trevas alvejando.