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Poesias (Bernardo Guimarães, 1865)/Cantos da solidão/Primeiro sonho de amor

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PRIMEIRO SONHO DE AMOR

Que tens, donzella, que tão triste pousas
Na branca mão a fronte pensativa,
E sobre os olhos dos compridos cilios
     O negro véo desdobras?

Que sonho merencorio hoje fluctua
Sobre essa alma serena, que espelhava
     A imagem da innocencia?

Ainda ha pouco eu via-te na vida,
Qual entre flôres douda borboleta,
     Brincar, sorrir, cantar...

E nos travessos olhos de azeviche,
De vivos raios sempre illuminados,
     Sorrir doce alegria!

Branco lirio de amor aberto apenas,
Em cujo puro seio brilha ainda
     A lagrima da aurora,

Acaso sentes já nos tenros petalos
O nimio ardor do sol crestar-te o viço,
     Vergar-te o fragil collo?...

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Agora acordas do encantado somno
Da descuidada prazenteira infancia,
     E o anjo dos amores
Em torno meneando as plumas d’ouro,
Teu seio virginal com as azas roça;
E qual macia briza, que esvoaça
Roubando á flôr o delicado aroma,
Vem roubar-te o perfume da innocencia!...

Com sonhos dourados, que os anjos te inspirão,
Embala, ó donzella, teu vago pensar,

Com sonhos que envolvem-te em doce tristeza
     De vago scismar:

São nuvens ligeiras, tingidas de rosa,
Que pairão nos ares, a aurora enfeitando
     De gala formosa.

É bella essa nuvem de melancolia
Que em teus lindos olhos desmaia o fulgor,
E as rosas das faces em lirios transforma
     De meigo palor.

Oh! que essa tristeza tem doce magia,
Qual luz que esmorece lutando co’as sombras
     Nas vascas do dia.

É bello esse encanto do affecto primeiro,
Que assoma envolvido nos véos do pudor,
E ondêa ancioso no seio da virgem
     Que scisma de amor.

Estranho preludio de mystica lyra,
A cujos accentos o peito afanoso
     Se agita e suspira.

Com sonhos dourados, que os anjos te inspirão,
Embala, ó donzella, teu vago pensar,
São castos mysterios de amor, que no seio
     Te vêm murmurar:

Sim, deixa pairarem na mente esses sonhos,
São roseos vapores, que os teus horizontes
     Enfeitão risonhos:

São vagos anhelos.... mas ah! quem te dera
Que n’esses teus sonhos de ingenuo scismar
A voz nunca ouvisses, que vem revelar-te
     Que é tempo de amar.

Pois sabe, ó donzella, que as nuvens de rosa,
Que pairão nos ares, ás vezes encerrão
     Tormenta horrorosa.